terça-feira, 18 de setembro de 2012

15 de Setembro: Fim aos manifestantes em part-time!



Há um paradigma há muito estabelecido na sociedade moderna – que se reflecte principalmente nos jovens e que se tem perpetuado – há uma demonização da Política e de tudo o que a envolve. Hoje em dia, a actividade política é vista como algo bolorento e longínquo.

Certo é que a culpa não será toda do cidadão comum. Há muito que a Política (e a Economia: são termos umbilicais), foi tomada por experts, debitando termos e definições que escapam ao simples mortal. A Política também foi tomada por oportunistas, movidos por ambições pessoais que descartam o principal objectivo desta nobre actividade: servir a comunidade.

Mas estes “cidadãos” que agora gritam slogans antipolíticos não podem demarcar-se das suas responsabilidades. Carregam também o fardo de terem deixado de exercer o escrutínio sob os responsáveis que decidem o futuro de nós todos como sociedade. Poderia dar o exemplo da crónica abstenção que marca a ida (ou não ida) às urnas. Mas, verdade seja dita, a cidadania passa por muito mais que isso. Envolve (ou deveria envolver) um debate diário, uma participação cívica activa e uma indagação permanente. Isso não acontece. É mais fácil encontrar refúgio no mote: “Eles são todos iguais”.

Não partilho do entusiasmo resultante das grandes manifestações. Infelizmente, e a história mais recente mostra-nos isso, tudo não passará de um escape para uma raiva acumulada. É para mim incompreensível que haja ainda pessoas que depois de uma grande manifestação se desloquem ao centro comercial mais próximo e se entreguem à gula consumista. É como se tudo não se tivesse passado de um grande chá das cinco e que, depois de aplacada a fúria, se volte à rotina diária.

Importa relembrar que este sentimento antipolítico marcou a ascensão ditatorial de Salazar ao poder. As pessoas, cansadas da instabilidade que marcou os anos de republicanismo, procuraram relegar as responsabilidades numa figura paternal que não lhes fizesse muitas perguntas e não suscitasse muitas dúvidas. Este egoísmo cívico, bem presente nos desabafos salazaristas (Cito de cor: “Se as pessoas soubessem o que custa mandar, limitar-se-iam a obedecer”) levou a que o povo português estivesse amordaçado por 40 anos. Não queiramos repeti-lo.

Chegamos a um ponto sem retorno. Por incompetência dos nossos governantes, é certo, mas sobretudo pela nossa cumplicidade com essa negligência. O caminho não é o “antipolítico” – isso seria a abolição da própria cidadania – mas sim a uma intensificação da participação de cada um. Afinal, como nos lembra o Padre António Vieira, não há coisa que causa maior apetite à natureza humana “que a notícia dos tempos e sucessos futuros”. Não é disto que se trata a Política?

Por isso, é importante inverter esta tendência anti natura, de descomprometimento total com os nossos futuros. A manifestação de 15 de Setembro é um marco, ninguém tem dúvidas disso. Mas é, antes de mais, conclusiva de que só acordamos quando a “noite mais triste” (relembrada nos versos intemporais de Manuel Alegre) já vai cerrada. A democracia é como um ser vivo, se não for cuidada e acarinhada definhará. Por isso é importante dizer, ainda que isso doa a alguns: precisamos mais de democratas assíduos do que de manifestantes em part-time!

Post Scriptum: A solução para este problema não será milagrosa e imediata, mas lá fora já começam a aparecer alternativas para este novo desafio que se impõe à democracia. Na Bélgica, país "desgovernado", haverá a 11 de Novembro uma conferência, ironicamente apelidada de G1000 Citizens Summit, onde 1000 cidadãos irão debater os problemas de nação e, esperançosamente, tentarão encontrar soluções. Por cá, começam-se a organizar movimentos cívicos ainda muito pouco maduros. Espero (e lanço aqui o desafio) que cada um de nós se envolva mais activamente em grupos de debate e em think-thanks que proponham alternativas ao sistema falido em que vivemos.

4 comentários:

Bela Adormecida disse...

Tudo o que escreveste é verdade e constitui uma análise com a qual concordo plenamente.
Mas é impossível esquecer que estes anos em que o povo não pediu contas e não soube escolher decorreram também do desinvestimento por parte dos dirigentes deste nosso Portugal no ensino.
Do meu ponto de vista, com um investimento sério e reformulação do sistema educativo, a prazo de 20 anos tínhamos muitos dos problemas estruturantes da nossa sociedade resolvidos.

Henrique Figueiredo disse...

Claro que é preciso investir na educação. É algo que tem sido feito (e com um desenvolvimento notável) desde os primórdios da democracia portuguesa. Não terá sido suficiente, mas é o caminho a seguir. Agora, as pessoas não podem esperar que a papinha lhes caia feita no colo. Há que investigar, escrutinar, interrogar..enfim...pensar! Um povo ignorante é o condimento fundamental para um governo despótico.

Bela Adormecida disse...

Mais uma vez concordo: temos que pôr a sociedade a pensar! No entanto e pela minha experiência própria no assunto, o actual sistema (des)educativo não o faz. E por isso é que penso que por muito que tentemos lutar contra a corrupção, que é afinal de contas o verdadeiro problema Português, enquanto não conseguirmos formar uma sociedade pensante e que exija resultados aos seus líderes, essa mesma corrupção nunca vai desaparecer.
As alterações que temos visto ao longo dos tempos trazem realmente bons resultados: hoje quase 100% da população sabe ler e fazer cálculos básicos. No entanto qual a percentagem dessa população que, tendo concluído o 9º ano do ensino básico ou mesmo o 12º ano de escolaridade sabem interpretar um texto?
Enquanto os nossos líderes não tiverem o ensino como prioridade número um penso que não teremos futuro. Não temos que formar engenheiros e doutores mas sim indivíduos pensantes e conscientes.

Henrique Figueiredo disse...

Essa sobreposição do número sob o pensamento crítico é um infeliz reflexo dos tempos. Decorre da "economização" de toda a sociedade. Nada mais errado. Muitos economistas de renome também foram filósofos e políticos (Jonh Maynard Keynes era interessado em filosofia e Karl Marx era também filósofo). Faz falta estimular o debate nas nossas escolas e não o monólogo professoral como vejo muito por aí. Agora, acabar com disciplinas pró-activas, como era Área Projecto (e que foi das mais importantes que tive no secundário) é um erro clamoroso.

 
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